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Dados registrais digitais e o seu uso indevido

Os dados digitais dos Registro de Imóveis brasileiro são protegidos pela legislação de proteção de dados pessoais? Os dados do registro de imóveis são negociáveis? Qual o valor desse ativo?

São perguntas sobre as quais o NEAR_lab do IRIB (Laboratório de Estudos Avançados de Registro de Imóveis eletrônico) vai se debruçar na busca de uma senda segura para lidar com um tema novo e de grande interesse.

O NEAR_lab é o think tank do Registro de Imóveis brasileiro. Coordenado pela engenheira Adriana P. Unger (POLI-USP) visa a atrair os maiores especialistas nas áreas de direito e tecnologia da informação para formular propostas, discutir ideias, buscar soluções nas áreas conexas e de interesse do Registro de Imóveis.

O tema da proteção de dados pessoais, postos sob a guarda e conservação dos oficiais de registro de imóveis (art. 22 e ss. da Lei 6.015/1973 c.c. art. 46 da Lei 8.935/1994), ganha uma importância singular na era digital. Após o advento da LGPDP (Lei 13.719/2018), o interesse do NEAR_lab agora se volta para o aspecto mais sensível da proteção dos dados pessoais registrais: sua captura, processamento e tredestinação para fins diversos daqueles que a entrega e acolhimento nos repositórios registrais torna legítimo e regular.

Segundo os estudos preliminares, há uma fronteira incerta em que a entrega de dados pessoais a terceiros, dados que originalmente foram confiados ao registro imobiliário para fins muito específicos e determinados, pode configurar uma extrapolação indevida dos limites legais e pode desestabilizar o modelo institucional de tratamento de dados pessoais mantidos e conservados em repositórios registrais. A monetização dos dados pode representar uma subversão das atividades próprias dos registradores.

Sabemos que esses dados são ativos econômicos apreciáveis na economia digital e, ainda quando tratados e anonimizados, representam grandes vantagens econômicas a quem os obtenha. Questão aguda é saber se o aproveitamento dos dados registrais para outras atividades não dependeria do consentimento do titular – no caso do cidadão que deposita seus dados pessoais e patrimoniais para fins de publicidade jurídica que vem a aparelhar os intercâmbios econômicos de bens entre os particulares.

Não são especulações cerebrinas. Há pouco houve a compra de dados de uma central estadual que representam praticamente um bairro da cidade. Cópias de milhares de matrículas, com todas as suas naturais vicissitudes, redundâncias e estruturação basicamente narrativa, servem para algo?

Vivemos uma fase em que a estruturação dos dados não é requisito indispensável para que deles se possa extrair valor. Por que a tecnologia de Big Data se impõe no dia a dia dos grandes negócios? Responde-nos Cezar Taurion: “o imenso volume de dados gerados a cada dia excede a capacidade das tecnologias atuais de os tratarem adequadamente”. É famosa a equação que bem define o fenômeno: Big Data = volume + variedade + velocidade + veracidade + geração de valor [1].

Os dados que os Registros Públicos albergam estão protegidos pela LGPDP?

Hoje as estratégias de marketing atuam com base em tecnologias NoSQL (Not onlyStructured Query Language) para gerar padrões aferíveis em coleções de dados tratados com a tecnologia de big data. São dados que se originam de fontes estruturadas e não estruturadas, de bases ordenadas em tabelas, textos técnicos, descritivos, livros, etc. Não é difícil imaginar quanto valeriam os dados do registro civil para a indústria alimentícia e de produtos maternais (papinhas de nenê, fraldas, berços, etc.). O exemplo da norte-americana Target, que pôde identificar as consumidoras grávidas e com isso se posicionar de modo extraordinariamente vantajoso no mercado, é bastante impressivo[2].

Talvez os dados que hoje povoam os tradicionais banco de dados dos cartórios – seus indicadores pessoal e real, por exemplo – valham muito menos que o volume representado por centenas de milhares de matrículas, com seu fólios desestruturados e assíncronos. As matrículas, com suas narrativas do século XIX, talvez valham mais do que dados mal estruturados. Pense nisso!

[1] TAURION. Cézar. Big data. São Paulo: Brasport, 2013, cap. VI passim.

[2] DUHIGG. Charles. How companies learn your secrets. https://charlesduhigg.com/how-companies-learn-your-secrets-part-1/

Espelho do espelho – a realidade registral

Os Registros públicos são uma espécie de prefiguração, avant la lettre, de fenômenos que ocorrem hoje na Internet. Antes da Rede por antonomásia, o Registro se constituía como uma rede simbólica, organizada pelo Estado, atuando como um ente que reconhece outros entes, personalizando-os juridicamente. Para existir nesta rede simbólica, é necessário obter o sopro que anima e dá realidade jurídica à vida social, econômica, política das pessoas. Basta pensar no cidadão titular de um sub-registro – neologismo um tanto quanto esdrúxulo – que vagueia pela pólis sem um título, sem uma declaração oficial de sua existência. Um selvagem que vive à margem das muralhas simbólicas da cidade.

Pensemos no homem proscrito economicamente pelos registros cadastrais que o “positivam” ou “negativam”. O fulano deixa simplesmente de existir como tal e encarna uma persona. Não figurar nos bancos de dados equivale a dissolver-se na irrelevância da existência. O que importa é o que o sistema traduz como realidade; existir é apenas uma circunstância de fato lato sensu.

Os exemplos se multiplicam. “Quem não registra não é dono”. O fato de ser dono já não importa. O que é importa é a realidade registral.

Uma das coisas mais apavorantes, e que não se pode nominar, é o homem sem-registro. Ele não existe e no entanto ameaça a todos nós. Um homem sem nome e sem registro é um risco que abala os alicerces de nossa sociedade de homens regularmente inscritos. Quod non est in tabula non est in mundo! Este homem é como se fora o capítulo extravagante de um livro que não se pode ler.

Temos que consentir: o homem em sua bruta existência real e concreta não existe. O estranho na rua é apenas um nome que não se conhece.

Enfim, sem linguagem nada resta senão pura epifania!

Não existimos sem a mediação simbólica que os ritos jurídicos-sociais impõem. Os Registros Públicos apavoram justamente porque dão sentido e emprestam realidade a outras realidades. Os efeitos homologatórios dos processos jurídicos criam novas realidades, que criam novas realidades.

Escatologia ao cair da tarde: No final dos tempos seremos julgados a partir da inscrição lavrada num grande Livro de Registro. O Livro da Vida!

LGPDP e os Registros Públicos

A recente Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei Federal 13.709, de 14/8/2018) introduziu, entre nós, a necessidade de adequar os Registros Públicos brasileiros aos novos padrões estabelecidos pela norma legal.

Regras de boas práticas e política de governança de dados

Os Registros Públicos devem estabelecer regras de boas práticas e políticas de governança de dados, revigorando o conjunto normativo que trata  especificamente do acervo registral e de sua guarda e conservação.

Assim a Lei de Registros Públicos (art. 22 e seguintes), a Lei 8.935/1994 (art. 46) e as regras gerais previstas na LGPDP e Lei 12.965/2014 devem ser coordenadas e articuladas para orientar o funcionamento dos Registros Públicos de modo consentâneo e coerente, protegendo e tutelando os dados que se acham sob a responsabilidade legal dos registradores públicos brasileiros.

NEAR-lab e data privacy

O NEAR-lab resolveu se debruçar sobre esse desafio buscando trazer à reflexão da comunidade registral e acadêmica suas ideias, estudos, conclusões, promovendo encontros, seminários, workshops e atividades especialmente devotado ao assunto.

Índices e estatísticas do Registro em debate

O NEAR-lab reuniu juristas e especialistas em tecnologia nos dias 25/3 e 5/4/2019 para debater a proteção de dados pessoais e registrais e produção de índices e estatísticas do Registro de Imóveis observando as regras da recente lei de proteção de dados pessoais.

Participaram os registradores imobiliários Sérgio Jacomino, Daniel Lago Rodrigues, Caleb Matheus Ribeiro de Miranda, a registradora civil Daniela Mroz, os professores doutores Juliano Maranhão (USP) e Ricardo Campos (Goethe Universität), os desembargadores do TJSP Marcelo Berthe, Luís Paulo Aliende Ribeiro, o juiz de segunda instância Dr. Antônio Carlos Alves Braga Jr., a gestora de projetos Nataly Cruz, sob a coordenação da eng. mst. Adriana Unger.

Na reunião foi sugerida a ideia de organizar um seminário em parceria com a EPM – Escola Paulista da Magistratura para enfrentar o tema da proteção de dados pessoais registrais e o impacto da LGPDP nas atividades dos registros públicos brasileiros.