Espelho do espelho – a realidade registral
Os Registros públicos são uma espécie de prefiguração, avant la lettre, de fenômenos que ocorrem hoje na Internet. Antes da Rede por antonomásia, o Registro se constituía como uma rede simbólica, organizada pelo Estado, atuando como um ente que reconhece outros entes, personalizando-os juridicamente. Para existir nesta rede simbólica, é necessário obter o sopro que anima e dá realidade jurídica à vida social, econômica, política das pessoas. Basta pensar no cidadão titular de um sub-registro – neologismo um tanto quanto esdrúxulo – que vagueia pela pólis sem um título, sem uma declaração oficial de sua existência. Um selvagem que vive à margem das muralhas simbólicas da cidade.
Pensemos no homem proscrito economicamente pelos registros cadastrais que o “positivam” ou “negativam”. O fulano deixa simplesmente de existir como tal e encarna uma persona. Não figurar nos bancos de dados equivale a dissolver-se na irrelevância da existência. O que importa é o que o sistema traduz como realidade; existir é apenas uma circunstância de fato lato sensu.
Os exemplos se multiplicam. “Quem não registra não é dono”. O fato de ser dono já não importa. O que é importa é a realidade registral.
Uma das coisas mais apavorantes, e que não se pode nominar, é o homem sem-registro. Ele não existe e no entanto ameaça a todos nós. Um homem sem nome e sem registro é um risco que abala os alicerces de nossa sociedade de homens regularmente inscritos. Quod non est in tabula non est in mundo! Este homem é como se fora o capítulo extravagante de um livro que não se pode ler.
Temos que consentir: o homem em sua bruta existência real e concreta não existe. O estranho na rua é apenas um nome que não se conhece.
Enfim, sem linguagem nada resta senão pura epifania!
Não existimos sem a mediação simbólica que os ritos jurídicos-sociais impõem. Os Registros Públicos apavoram justamente porque dão sentido e emprestam realidade a outras realidades. Os efeitos homologatórios dos processos jurídicos criam novas realidades, que criam novas realidades.
Escatologia ao cair da tarde: No final dos tempos seremos julgados a partir da inscrição lavrada num grande Livro de Registro. O Livro da Vida!