Centrais Estaduais e o Operador Nacional de Registro

4.3.2. Centrais Estaduais e o Operador Nacional de Registro

O Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis-SREI, instituído pela Lei 11.977/2009, constitui importante avanço para a eficiência do sistema registral, não só por facilitar a identificação e processamento de matrículas, em âmbito nacional, mas por permitir a realização de serviços e emissão de certidões eletrônicas em âmbito nacional. A digitalização dos serviços, porém traz riscos maiores em caso de vulnerabilidades na segurança do sistema ou caso as práticas dos registradores não sigam regras de governança estritas em relação à proteção de dados.

O SREI foi primeiramente implementado pela Associação de Registradores do Estado de São Paulo, cujo protocolo eletrônico foi reconhecido pelo CNJ, conforme Recomendação 14/2014,  que, ademais, apontava para a implantação de sistema registral eletrônico em âmbito nacional, ao que se assistiu o surgimento de diferentes unidades de integração eletrônica dos serviços registrais nos Estados e no Distrito Federal, as chamadas Centrais Estaduais.

A Lei 13.465/2017, por sua vez, instituiu, em seu art. 76, o Operador Nacional do Registro, responsável pela implantação do SREI em âmbito nacional.  O ONR é pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos e submete-se ao poder normativo do CNJ. Segundo o mesmo dispositivo legal, as chamadas Centrais Estaduais, passam a estar vinculadas ao ONR. Conforme voto do Presidente do CNJ, Ministro Dias Toffoli, em  acordão do Conselho Nacional de Justiça no Pedido de Providências n. 0003703-65.2020.2.00.0000, de 23.06.2020,   o ONR tem a natureza de um serviço social autônomo, refletindo o regime constitucional de delegação.[1] Assim, embora não haja referência na LGPD às Centrais Estaduais ou ao ONR, por integrarem o sistema registral e acessarem informações relevantes dos oficiais de registro, é razoável também considerá-los, ao menos quanto ao compartilhamento de dados, como pessoas jurídicas de direito público. Ou seja, a essas entidades é vedado compartilhar dados com entidades privadas, por força do art. 26, §1o da LGPD, e o acesso por órgãos públicos deve ter base legal e orientado para a persecução de políticas públicas específicas. Como destaca o referido acórdão, não cabe a cobrança de quaisquer taxas por essas entidades por seus serviços.

Em relação a órgãos públicos, o próprio art. 76, §6º e §7º prevê seu compartilhamento com Poder Executivo e com o Sinter, o que será objeto de análise no item posterior.   

Nesta Seção ficaremos adstritos à análise da relação das Serventias com as Centrais e o ONR, o que vem regulado pelo Provimento 89/2019 do CNJ. Quanto a esse aspecto, o SREI e o sistema gerido pelo ONR insere-se no dever de conservação funcional dos dados registrais, que implica sua sistematização eficiente para o provimento do serviço registral, além da obrigação dos notários e registradores de zelar para que seus serviços sejam prestados com rapidez, qualidade e eficiência (arts. 4º, 30, inc. II da Lei 8935/94).[2] Segundo o Provimento 89/2019, os oficiais de registro continuam com a obrigação de manter sob sua guarda e conservação os livros classificadores e documentos (art. 11) e de realizar as inscrições e lavratura de certidões. Ou seja a função pública registral continua a ser exercida nas serventias, disponibilizando-se Serviço de Atendimento Eletrônico Compartilhado-SAEC, gerido pelo ONR, responsável por estruturar a interconexão do SREI com o SINTER (vide próxima Seção) e Interoperabilidade com as Centrais Estaduais. O SAEC disponibilizará ao público, em seu sítio eletrônico, um indicador para cartórios, circunscrições e tabelas de custas. Por meio do SAEC, o usuário poderá encaminhar pedido de certidões, porém, seu protocolo e processamento caberá à serventia competente (art. 18, II), além do que o usuário poderá acompanhar o estado do pedido. Portanto o serviço eletrônico gerido pelo ONR informa sobre a atividade de cada cartório de registro, mas não se substitui, nem exerce a função pública delegada ao oficial de registro.

Também as Centrais Estaduais, conforme Provimento 89/19, passam a ser coordenadas e monitoradas pelo SAEC, de responsabilidade do ONR (art. 24 par. 3º). Por meio das centrais os oficiais de registro podem intercambiar documentos relevantes para o exercício de suas competências, conforme regulamentação do SREI, destacando-se no art. 25 parágrafo único, que “todas as solicitações feitas por meio das centrais de serviços eletrônicos compartilhados serão enviadas ao ofício de registro de imóveis competente, que é o único responsável pelo processamento e atendimento”.  Portanto, as Centrais, integradas ao SAEC, constituem portais que facilitam o acesso do usuário aos serviços registrais, com a função de direcionar a demanda de certidões para o cartório competente e envio de documentos eletrônicos para o exercício da função pública das Serventias. Sua operação é, em princípio, compatível com a LRP e a LGPD na medida em que, tanto as Centrais, quanto o ONR, por meio do SAEC, não realizem atribuições de competência exclusiva dos oficiais de registro, não compartilhem com entidades privadas o agregado de informações registrais a que têm acesso, sejam transparentes em relação a quais documentos são trocados por seu intermédio entre os oficiais de registro, indicando a sua necessidade para a operação eficiente dos serviços registrais e especificando a finalidade dessa movimentação de dados. Cabe, de todo modo, realizar o controle de finalidade, garantindo-se o envio e acesso apenas àquilo que for estritamente necessário para o desempenho de suas funções, tendo em vista a preocupação da legislação de proteção de dados, com centros de unidade informacional, públicos ou privados, que as Centrais tem o potencial de agregação de dados, do qual decorre maior poder inferencial.


[1]Disponível em https://www.cnj.jus.br/InfojurisI2/Jurisprudencia.seam?jurisprudenciaIdJuris=51708&indiceListaJurisprudencia=0&tipoPesquisa=LUCENE&firstResult=0.

[2] Sobre a constitucionalidade de sistema registral eletrônico de imóveis, interligando as diferentes Serventias para a prestação do serviço e sobre as funções do Operador Nacional de Registro de Imóveis, ver Tavares, A. R. ONR: Resposta à exigência constitucional de um eficiente sistema registral, in Boletim IRIB em Revista, Edição 359, https://www.irib.org.br/publicacoes/boletim-irib-em-revista/boletim-irib-em-revista-edicao-359.

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