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lgpd – sumário executivo

A análise da atividade registral, inclusive dentro do recente esforço de digitalização de seus serviços, revela não haver qualquer conflito entre a publicidade registral de que se reveste os atos do oficial de registro e a privacidade ou proteção de dados pessoais.

Em sentido jurídico estrito, publicidade registral não implica publicação indiscriminada, ou a difusão dos dados registrais imobiliário para efetivamente levar a situação do imóvel ao conhecimento do público em geral, nem mesmo significa disponibilização para livre acesso e consulta pelos interessados, mas  apenas diz respeito à fé pública de que se reveste o Registro e à consequente eficácia e oponibilidade perante quaisquer terceiros de boa-fé dos títulos e posições jurídicas inscritas.

O acesso público aos dados registrais é realizado pelo mecanismo de cognoscibilidade, que tem também um sentido normativo, traduzido no “dever conhecer”, ou “dever de fazer prova” imposto aos terceiros como condição de eficácia para atos ou negócios jurídicos de seu interesse, no caso, os negócios jurídicos imobiliários. Também a lavratura de certidões, em sentido jurídico estrito, não tem por finalidade veicular informações, mas produzir meio jurídico de prova.

Os dados pessoais extraídos dos documentos sob controle das serventias não são públicos no sentido de res nullius, nem são de propriedade do Estado; sua titularidade (direito da personalidade) pertence ao sujeito ao qual inscrição se refere.  Também não há interesse público relativo aos dados pessoais guardados pela serventia; o interesse público reside apenas na atividade registral e no processamento de dados realizado pelo oficial de registro que, por ser dotado de autoridade, confere segurança ao tráfico de imóveis e ao crédito  imobiliário. Por esse motivo, o oficial de registro tem o dever ético e legal de guardar sigilo profissional sobre as informações a que tem acesso no seu exercício profissional e específico de conservar funcionalmente os documentos físicos ou eletrônicos.

A solução constitucional de delegação da função pública registral ao particular, independente em relação ao Poder Estatal, traduz uma garantia republicana que se reforça no contexto de proteção dos dados pessoais sob tutela do oficial de registro, proteção esta que vale, em particular, contra o próprio Estado. 

Por outro lado, em relação aos fundamentos da proteção de dados, nota-se que  privacidade não se reduz a sigilo ou resguardo, ligando-se, antes, ao controle do fluxo adequado de informações pessoais em cada contexto. ;

A proteção de dados funda-se juridicamente no direito individual de autodeterminação informacional, que se estrutura pela atribuição de prerrogativas (poderes) ao indivíduo na esfera pública para controlar o fluxo de dados pessoais em posse de terceiros do qual possam ser extraídas informações a seu respeito;

O mecanismo para esse controle está no princípio de finalidade, assegurando que a aplicação de informações fique restrita ao objetivo que justificou a coleta dos dados pessoais.

O STF reconheceu o status constitucional do direito fundamental  à autodeterminação informacional, dado relevante no cotejo de conflitos entre a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e outras regras legais.

O direito à autodeterminação informacional, em sua faceta democrática, tem como corolário a separação de poderes informacional, que incompatível com a livre circulação de dados entre órgãos da Administração Pública e circunscreve o poder de processamento de dados por cada órgão aos limites estritos de sua competência. A separação de poderes informacional é particularmente relevante frente à garantia republicana de delegação da função pública registral ao particular, o que traz limites ao compartilhamento de dados registrais com órgãos da Administração Pública. 

Para assegurar os deveres e o próprio papel republicano dos oficiais de registro em relação à proteção de dados pessoais, a Lei Geral de Proteção de Dados  impõe revisão nas práticas registrais para que o processamento de dados pessoais se restrinja ao estritamente necessário para o exercício de suas competências, valendo observar que há limites para as prerrogativas de sujeitos de dados frente à função pública exercida pelos oficiais de registro. Para atingir esse objetivo traçamos as seguintes diretrizes e recomendações:

  1. instituir Comitê junto ao ONR para planejamento da uniformização de práticas e estruturação de governança sobre proteção de dados no âmbito registral nacional;
  2. estruturar a governança em privacidade (art. 50 da LGPD), de preferência no âmbito do ONR, em razão de sua competência funcional e da necessidade de universalização das regras constantes em Política de Privacidade, inclusive quanto ao sistema (ambiente lógico dos Registros Imobiliários), para manutenção de nível adequado em proteção de dados em todas as Serventias no País;
  3. revisar a prática de lavratura de certidões por cópia reprográfica de matrícula, estabelecendo diretrizes uniformes sobre o conteúdo mínimo necessário, em diferentes contextos possíveis,  para produzir o efeito de segurança e certeza sobre eventual transmissão do bem imóvel e, ao mesmo tempo assegurar a proteção de dados pessoais dos sujeitos com direitos inscritos;
  4. envidar esforços para a adequada regulamentação, junto ao CNJ e junto à Autoridade Nacional de Proteção de Dados, do compartilhamento de dados com o Sinter de modo a assegurar sua compatibilidade com o direito fundamental à autodeterminação informacional e com o princípio de separação de poderes informacional;
  5. indicar para cada Serventia, o Encarregado pelo Tratamento de Dados Pessoais, ou planejar, junto ao ONR estrutura  para que cada Serventia ou Grupos de Serventias possam ter Encarregado responsável por garantir o cumprimento da LGPD, com as atribuições especificadas neste Estudo;
  6. cada Serventia deve elaborar, com apoio e diretrizes firmadas pelo ONR, o registro das atividades de tratamento de dados pessoais (produto de mapeamento das referidas atividades) que permita visualizar o ciclo de vida desses dados, bem como as medidas de segurança técnicas e administrativas adotadas;
  7. O ONR deverá fazer, no âmbito do SREI, o mapeamento do fluxo de dados e informações trocadas entre Serventias e as Centrais Estaduais, de modo a assegurar observância da LGPD nesses fluxos;
  8. elaborar de Relatório de Impacto à Proteção de Dados Pessoais sobre as atividades de tratamento de dados pessoais sensíveis, bem como para fins de avaliação para atividades que possam causar maior risco aos direitos e liberdades dos titulares;
  9. elaborar aviso de privacidade, atendendo aos requisitos dos arts. 9º e 23, I, da LGPD, em todos os canais de comunicação com os usuários, no âmbito das Serventias, das Centrais Estaduais e do ONR (SAEC), para dar transparências às atividades de tratamento de dados pessoais do Registro Imobiliário (em particular deve ser esclarecido em que hipóteses e para quais finalidades ocorre o compartilhamento de dados com órgãos públicos e de informações entre as Serventias, entre estas e as Centrais e o ONR);
  10. providenciar canal de atendimento para exercício de direitos dos titulares de dados pessoais, conforme art. 18 da LGPD;
  11. apurar em quais atividades registrais, atuais ou potenciais (projetos futuros), haveria emprego de decisões automatizadas, nos termos da LGPD, de modo a garantir o direito à revisão previsto no art. 20 da LGPD;
  12. refletir e estudar a viabilidade de regulamentação da atividade registral, com a atribuição de novos papéis e competências que permitam aos oficiais de registro contribuir com a segurança e certeza das relações negociais e creditícias imobiliárias na esfera informacional da economia digital.

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SREI – 10 anos depois

SREI – ALGO ACONTECE AGORA. VOCÊ ESTÁ PREPARADO? Prova de Conceito do SREI: 10 anos da Lei 11.977/2009

Há mais de 10 anos a Lei 11.977/2009 era sancionada. Ao longo de toda uma década, muitas iniciativas se sucederam e o SREI – Sistema de Registro de Imóveis eletrônico ainda não se concretizou plenamente.

Comemorando a efeméride, o NEAR-lab – Laboratório do Núcleo de Estudos Avançados do Registro de Imóveis eletrônico apresentou à comunidade registral o resultado dos seus trabalhos.

O SREI na prática

Era necessário demonstrar a viabilidade prática do SREI; era necessária a construção de projeto-piloto. Assim nasceu a POC (proof of concept) do SREI.

Especificado na documentação técnica que pode ser consultada no site FOLIVM, recomendado pela Recomendação CNJ 14/2014 e recentemente regulamentado pelo Provimento CNJ 89/2019, o SREI era pura abstração. Já não é mais!

Cumprimos uma longa jornada, enfrentamos obstáculos e grandes dificuldades, vencemos desafios, mas o sonho não acabou: ele se renova nas gerações de registradores engajados no desenvolvimento desse nobre ofício que é o Registro de Imóveis brasileiro.

NEAR-lab – laboratório de inovação do SREI

Comandado pelo engenheira mecatrônica Mst. Adriana J. Unger, apoiada pela gerente de projetos Nataly Cruz, o SREI saiu finalmente do papel. Veio a lume no evento que ocorreu no dia 1 de dezembro de 2019, na FLIC (Future Law Innovation Center – Av. Pres. Juscelino Kubitschek, 1327 – 2º andar, São Paulo, Capital).

O NEAR-lab – Laboratório do Núcleo de Estudos Avançados do SREI, tem o gosto e a imensa satisfação de apresentar à comunidade registral um pequeno documentário da jornada.

Agradeço a todos os envolvidos e participantes desse lindo projeto. Vamos em frente! “O futuro já era” – disse um velho advogado paulistano, Dr. Ermitânio Prado, e completa: “resta-nos o agora”. Pois bem. Algo acontece agora; você está preparado?

Sérgio Jacomino

CAPÍTULO I – ABERTURA – 10 anos de registro eletrônico no Brasil: de onde viemos e para aonde vamos

O registro eletrônico comemora 10 anos em 2019. Sérgio Jacomino, Claudio Machado, Marcelo Martins Berthe e Antonio Carlos Alves Braga Jr. comentam suas impressões sobre esses 10 anos de evolução do tema, e como será, e está sendo, o futuro.

CAPÍTULO II – PROVA CONCEITO

  • NEAR-lab: laboratório de inovação tecnológica do registro eletrônico
  • Por que fazer uma prova de conceito? Objetivos e escopo do projeto
  • Provando o conceito do SREI: da recepção do título ao registro eletrônico
  • POC-SREI: desenho da solução e integração das equipes
  • Arquitetura e casos de uso do protótipo funcional: design review da solução.

CAPÍTULO III – SAEC – Sistema de Atendimento Eletrônico Compartilhado

  • Sistema de Atendimento Eletrônico Compartilhado
  • Central nacional de serviços de registro de imóveis
  • Caso de uso: processo de prenotação automatizado
  • Recepção de título eletrônico
  • Formato nato digital do título: padrão PDF/A-3
  • Assinatura digital XADES/XML-DSIG
  • Escrituração eletrônica do livro protocolo
  • Blockchain consorciada para registro de hashes
  • Demonstração do processo de solicitação de registro.

CAPÍTULO IV – SC – Sistema do Cartório

  • Sistema do Cartório
  • Automação da serventia e escrituração dos livros eletrônicos de registro
  • Caso de uso: primeira qualificação eletrônica
  • Fase de transição para o registro eletrônico
  • Demonstração do processo de abertura de matrícula eletrônica
  • Caso de uso: registro eletrônico
  • Escrituração eletrônica da matrícula
  • Certidão eletrônica e situação jurídica consolidada
  • Demonstração do processo de registro de ato em matrícula eletrônica.

CAPÍTULO V – Gestão Arquivística

  • Gestão arquivística dos documentos do registro de imóveis. . Padrão de metadados, plano de classificação e tabela de temporalidade.
  • Paola Bittencourt e Thiago Vieira: gestão arquivística para o registro de imóveis e Natasha Hermida: gestão de documentos arquivísticos digitais.

CAPÍTULO VI – SIGAD – Sistema Informatizado de Gestão Arquivística de Documentos

  • Sistema Informatizado de Gestão Arquivística de Documentos
  • Gestão eletrônica do ciclo de vida documental
  • Código de classificação
  • Tabela de temporalidade
  • Metadados arquivísticos
  • Padrões de referência na POC
  • Demonstração do SIGAD na plataforma Alfresco.

CAPÍTULO VII – Ontologia Registral

  • Formato de documento nato digital de conteúdo estruturado
  • Web semântica e ontologia
  • Interoperabilidade de dados registrais
  • Ontologia de referência e ontologia de implementação
  • Máscara de visualização de documentos eletrônicos
  • Demonstração de consulta à base de matrículas eletrônicas.

Dados registrais digitais e o seu uso indevido

Os dados digitais dos Registro de Imóveis brasileiro são protegidos pela legislação de proteção de dados pessoais? Os dados do registro de imóveis são negociáveis? Qual o valor desse ativo?

São perguntas sobre as quais o NEAR_lab do IRIB (Laboratório de Estudos Avançados de Registro de Imóveis eletrônico) vai se debruçar na busca de uma senda segura para lidar com um tema novo e de grande interesse.

O NEAR_lab é o think tank do Registro de Imóveis brasileiro. Coordenado pela engenheira Adriana P. Unger (POLI-USP) visa a atrair os maiores especialistas nas áreas de direito e tecnologia da informação para formular propostas, discutir ideias, buscar soluções nas áreas conexas e de interesse do Registro de Imóveis.

O tema da proteção de dados pessoais, postos sob a guarda e conservação dos oficiais de registro de imóveis (art. 22 e ss. da Lei 6.015/1973 c.c. art. 46 da Lei 8.935/1994), ganha uma importância singular na era digital. Após o advento da LGPDP (Lei 13.719/2018), o interesse do NEAR_lab agora se volta para o aspecto mais sensível da proteção dos dados pessoais registrais: sua captura, processamento e tredestinação para fins diversos daqueles que a entrega e acolhimento nos repositórios registrais torna legítimo e regular.

Segundo os estudos preliminares, há uma fronteira incerta em que a entrega de dados pessoais a terceiros, dados que originalmente foram confiados ao registro imobiliário para fins muito específicos e determinados, pode configurar uma extrapolação indevida dos limites legais e pode desestabilizar o modelo institucional de tratamento de dados pessoais mantidos e conservados em repositórios registrais. A monetização dos dados pode representar uma subversão das atividades próprias dos registradores.

Sabemos que esses dados são ativos econômicos apreciáveis na economia digital e, ainda quando tratados e anonimizados, representam grandes vantagens econômicas a quem os obtenha. Questão aguda é saber se o aproveitamento dos dados registrais para outras atividades não dependeria do consentimento do titular – no caso do cidadão que deposita seus dados pessoais e patrimoniais para fins de publicidade jurídica que vem a aparelhar os intercâmbios econômicos de bens entre os particulares.

Não são especulações cerebrinas. Há pouco houve a compra de dados de uma central estadual que representam praticamente um bairro da cidade. Cópias de milhares de matrículas, com todas as suas naturais vicissitudes, redundâncias e estruturação basicamente narrativa, servem para algo?

Vivemos uma fase em que a estruturação dos dados não é requisito indispensável para que deles se possa extrair valor. Por que a tecnologia de Big Data se impõe no dia a dia dos grandes negócios? Responde-nos Cezar Taurion: “o imenso volume de dados gerados a cada dia excede a capacidade das tecnologias atuais de os tratarem adequadamente”. É famosa a equação que bem define o fenômeno: Big Data = volume + variedade + velocidade + veracidade + geração de valor [1].

Os dados que os Registros Públicos albergam estão protegidos pela LGPDP?

Hoje as estratégias de marketing atuam com base em tecnologias NoSQL (Not onlyStructured Query Language) para gerar padrões aferíveis em coleções de dados tratados com a tecnologia de big data. São dados que se originam de fontes estruturadas e não estruturadas, de bases ordenadas em tabelas, textos técnicos, descritivos, livros, etc. Não é difícil imaginar quanto valeriam os dados do registro civil para a indústria alimentícia e de produtos maternais (papinhas de nenê, fraldas, berços, etc.). O exemplo da norte-americana Target, que pôde identificar as consumidoras grávidas e com isso se posicionar de modo extraordinariamente vantajoso no mercado, é bastante impressivo[2].

Talvez os dados que hoje povoam os tradicionais banco de dados dos cartórios – seus indicadores pessoal e real, por exemplo – valham muito menos que o volume representado por centenas de milhares de matrículas, com seu fólios desestruturados e assíncronos. As matrículas, com suas narrativas do século XIX, talvez valham mais do que dados mal estruturados. Pense nisso!

[1] TAURION. Cézar. Big data. São Paulo: Brasport, 2013, cap. VI passim.

[2] DUHIGG. Charles. How companies learn your secrets. https://charlesduhigg.com/how-companies-learn-your-secrets-part-1/